Da tese ao livro — resenha

Trad. de Laeticia Eble.
Brasília, DF: Editora UnB, 2016. 196 pp.
ISBN 978-85-230-1173-4

O Como se faz uma tese, de Umberto Eco, é um dos principais guias para os pós-graduandos ou pretendentes à pós-graduação. Ali o leitor encontra conselhos acerca de como escolher o tema, pesquisar as fontes, organizar o trabalho de investigação e os fichamentos das referências, e, por fim, redigir a tese.

Mas, depois de defender a tese e receber o título de doutor, como metamorfosear um texto acadêmico em um livro, visando um público mais amplo de leitores?

O caminho para essa metamorfose está em Da tese ao livro, de Sylvia Nogueira e Jorge Warley. O livro é dirigido aos principais sujeitos desse processo, os editores e os autores.

Nogueira e Warley argumentam que teses são textos do gênero acadêmico e voltados para o público acadêmico, sobretudo ao orientador e à banca. Para serem livros, elas precisam de um novo esforço dos autores, precisam se ajustar a um novo formato e a um novo público.

“A tese é um gênero discursivo acadêmico que, como tal, pressupõe condições de produção e esquemas de formalização bem delimitados” (p. 29).

Assim como durante a pós-graduação o pesquisador teve ao seu lado o orientador, durante o processo editorial, o pesquisador, agora autor, tem o editor como guia. Será este quem ajudará o autor a fazer de sua tese um livro.

“O livro é um meio de comunicação de massa. […] Quando se transforma em livro, a tese naturalmente se orienta para outro tipo de leitor” (pp. 37, 42).

Se o orientador domina a arte da pesquisa científica, o editor domina a arte da editoração. Não por acaso Nogueira e Warley dedicam um capítulo a respeito do editor e seu ofício, fazendo com que esse livro também atenda aos interessados em editoração, destacando-se os comentários sobre Siegfried Unseld, um dos mais importantes editores do século XX e, durante décadas, o espírito da Suhrkamp.

Para os recém-doutores, o livro apresenta alguns conselhos gerais acerca de como escolher uma editora para publicar, como apresentar o manuscrito e como lidar com as rejeições.

Há também que se observar as diferentes estruturas entre a tese e o livro, por exemplo, o capítulo metodológico, ou teórico, no qual se expõe o estado da arte do tema investigado. Trata-se de um capítulo de interesse acadêmico e um meio da banca avaliar se o pós-graduando está inteirado sobre o histórico científico de sua área de pesquisa e quais foram os procedimentos que ele tomou durante a investigação. Todavia, no livro, a metodologia e o estado da arte, apresentados na introdução, devem ser resumidos. A função do capítulo de introdução é ser um convite à leitura. Ele deve despertar no leitor a vontade de continuar virando as páginas.

A linguagem é outro aspecto que, em alguns casos, precisa ser simplificada, e não rebaixada. Algumas ciências são de grande interesse do público em geral. Contudo, o vocabulário é tão especializado que só os iniciados são capazes de acompanhar o texto. A função da publicação da tese em livro é ampliar o leque de leitores, logo, o autor deve pensar em seu novo público.

O livro também explica o processo editorial de uma obra, desde a aceitação do manuscrito por uma casa editorial, passando pela revisão de texto, a diagramação, a confecção da capa, o envio do material à gráfica, a publicação e o marketing.

O último capítulo apresenta uma série de exemplos práticos e fragmentos de teses transformadas em livros.

Além das adaptações necessárias no texto, a versão da tese em livro deve oferecer aos leitores algo de diferente, algo que não se encontra na tese, provavelmente disponível de graça nos repositórios on-line das universidades. O livro deve ser mais do que a tese impressa, encadernada e com uma capa bonita. Ele precisa de outros adereços, ou de paratextos, como um prefácio escrito por terceiros, sobretudo por pesquisadores com autoridade no tema, o que ajuda inclusive na divulgação e no interesse pela obra.

Mais do que destacar as virtudes da pesquisa — os vícios já foram devidamente apresentados durante as bancas de qualificação e defesa —, os paratextos (orelha, quarta capa e sobretudo o prefácio) podem enriquecer a publicação, apresentando a visão e o conhecimento do prefaciador sobre o tema. Há prefácios, ou posfácios, que chegam a ser mais conhecidos e lidos do que o texto principal, como foi o caso de Os condenados da terra, de Frantz Fanon, prefaciado por ninguém mais do que Jean-Paul Sartre. O texto de Sartre foi tão poderoso que, segundo muitos estudiosos da obra de Fanon, direcionou a interpretação e o legado do livro.

Motivos para publicar sua tese em livro não faltam. O livro é um formato mais agradável para a leitura — certamente mais do que um PDF na tela de computador ou tablet —; o inegável orgulho, e narcisismo, em ver seu trabalho de anos em uma estante de livraria ou biblioteca; a possibilidade de ampliar seu público de leitores, divulgar sua pesquisa e contribuir no debate científico e no progresso do conhecimento.

Logo, se você pensa em publicar sua tese, o livro de Nogueira e Warley é indispensável para entender os caminhos e descaminhos desse processo.

Por fim, segue o decálogo, ou guia-resumo de orientação geral, apresentado no final da obra (pp. 185-7):

1) Uma tese acadêmica não é um livro. A afirmação supõe a advertência de que, para chegar à publicação comercial, deve-se contemplar um trabalho de reelaboração que possibilite “traduzir” um gênero discursivo no outro, quer dizer, passar de um conjunto de convenções que serviriam para organizar o trabalho de pesquisa a outro esquema normativo.

2) Não existe um único tipo de livro. O autor deve definir com clareza se seu livro terá a forma de um ensaio, uma obra de consulta, um manual etc. Cada uma dessas “espécies” encerra ordenamentos formais distintos.

3) O autor não deve levar sua tese de doutorado para uma editora. De algum modo é preciso convencer o editor da perspectiva inclusive econômica da pesquisa que se busca publicar. É difícil que o editor considere uma proposta “crua”, que não se adeque desde o início aos requerimentos e aspectos formais próprios do livro. É o próprio autor, portanto, que assume a tarefa inicial e decisiva de converter a tese em livro.

4) O “público leitor” ao qual o livro se dirige é uma entidade exageradamente vaga, heterogênea e inacessível. Dentro de tal vastidão, primeiro o autor e, em seguida, de maneira definitiva, o editor devem definir os limites e as características de um público mais concreto, tarefa não muito difícil quando se reflete sobre os alcances e a circulação regular do tema do qual se trata. A clareza sobre esse item é vital para determinar o “tom” geral que terá a exposição.

5) Existem certas seções próprias da tese que devem ser particularmente revistas (inclusive, em muitos casos, diretamente eliminadas) ao transformar esse gênero acadêmico em um livro. Assim ocorre com as seções reservadas aos contextos teóricos e metodológicos, “estados da arte”, as longas citações textuais inseridas em função do respeito que determinados autores e obras têm dentro de um campo disciplinar específico, os apêndices, as ilustrações, os gráficos e tabelas ou quadros.

6) Existem certas seções próprias do livro que devem ser cuidadosamente pensadas e elaboradas a fim de oferecer clareza imediata aos leitores [interessados pela obra]. Assim ocorre com a introdução do livro, bem como com todos os aspectos paratextuais (sumário, quarta capa, inserção em uma determinada coleção). A orientação do editor para a apresentação gráfica geral do texto é fundamental aqui.

7) Um livro se caracteriza por ter uma escrita fluida. Ainda que trate de temas complexos e recorra a determinado vocabulário técnico, essa fluidez é a principal garantia para gerar interesse nos leitores. Tanto a revisão inicial da pesquisa por parte do próprio autor como o editing e a correção de estilo devem se guiar nesse sentido.

8) A fluidez da escrita nutre-se do equilíbrio correto e eficaz entre o que se expõe e o que se pressupõe, quer dizer, entre o que literalmente se escreve e aquilo que, por trás das palavras, julga-se tratar de conhecimentos que o público leitor possui e manuseia. O ato comunicativo completo é a soma de exposição e pressuposição. Caso se contem ao leitor muitas coisas que ele já sabe, ele abandonará a leitura por aborrecimento; diferentemente, caso se contem muitas coisas que ele desconhece, o leitor julgará, então, e com razão, que é um texto incompreensível.

9) Para que uma tese acadêmica transforme-se em um livro, é necessário o trabalho cooperativo entre autor e editor. Não se trata de uma competência nem de imposições pouco razoáveis, mas de que os autores aceitem, de maneira natural, o conhecimento, a experiência e o trabalho específico do outro.

10) Se a tiragem da publicação [esgotar], além da comemoração, deverá se pensar de imediato em uma reedição revista e aperfeiçoada: um livro sempre pode ser melhorado.

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