O revisor subversivo — resenha

2. ed.
Chicago: The University of Chicago Press, 2016. 200 pp.
ISBN 978-0-226-23990-3 (capa dura); 978-0-226-24007-7 (brochura); 978-0-226-24010-7 (e-book)

Um novo original, mesmo para editores e revisores experientes, pode ser uma caixa de surpresas, e sempre é possível aprender, ou reaprender, com um novo trabalho. E, melhor do que aprender com a própria experiência, é aprender com a experiência, e com os erros, de outros. Em The Subversive Copy Editor, Carol Fisher Saller relata os sucessos e os fracassos do processo editorial e dá conselhos sobre como sobreviver e prosperar no ramo.

Agora aposentada, Saller acumula anos de experiência, seja como editora da The University of Chicago Press e do manual de Chicago, revisora [copyeditor] e autora de ficção e não ficção. Durante seu período de trabalho, em suas próprias palavras, “cometi muitos erros, mas também tive muitos êxitos”.

Foi editora do CMOS On-line Q&A, a página de perguntas e respostas do manual de Chicago, a qual serviu de matéria prima para que, em 2009, Saller publicasse The Subversive Copy Editor, obra na qual compartilhou com editores, revisores, autores e leitores seu conhecimento acerca do processo de publicação de livros.

Em 2010, prosseguiu com o projeto do livro por meio do blog The Subversive Copy Editor, no qual atendeu, durante doze anos, às mais diversas dúvidas dos assinantes, além de eventuais desabafos sobre os problemas diários do ambiente de trabalho em uma editora. Sete anos depois, sentiu a necessidade de atualizar o The Subversive Copy Editor, lançando a segunda edição.

O livro se organiza em duas partes. Na primeira, “Trabalhando com o escritor, para o leitor”, Saller trata dos desafios e dos problemas da relação editor-autor ou revisor-autor, e as relações podem ser agradáveis ou tensas, às vezes podem ser ambas.

Para estabelecer a melhor relação com os autores, Saller aconselha a desenvolver as três virtudes do editor “iluminado” [enlightened]: cuidado, transparência e flexibilidade. Cuidado com o trabalho do autor, que, para eles, é como um filho, um objeto raro e sensível; logo, cuidado ao manusear o manuscrito de um livro ou artigo. Trata-se, possivelmente, de um trabalho de meses, anos, no qual o autor se dedicou e fez muitos sacrifícios para concluir. Assim como os manuscritos, os autores também são objetos raros e sensíveis, que precisam ser atendidos e cultivados com carinho e paciência. Portanto, tenha tato com eles. Por vezes, no corre-corre do ambiente de trabalho de uma editora, com o acúmulo de serviço e com os prazos estourando, acaba-se negligenciando algum arquivo e autor. Com sorte, o processo editorial segue sem contratempos, mas, às vezes, a conta chega lá na frente.

Quando falo sobre cuidado, também estou falando sobre a aplicação do conhecimento. Se você não conhece os assuntos, as tendências e as regras de estilo e gramática, não estará ciente de todos os pequenos detalhes que podem ou não precisar de atenção. Você pode ser a pessoa mais meticulosa do mundo ao começar a ler, mas se não tiver conhecimento dos problemas, lerá com satisfação os problemas que deveriam disparar alarmes. Portanto, o primeiro passo para ser cuidadoso é estudar seu manual de estilo. Se ele for um manual de grande como o CMOS [Chicago Manual of Style], pode ser um processo gradual, mas mantenha o guia à mão e crie o hábito de consultá-lo. Se um guia específico não for necessário para o seu trabalho, escolha um que lhe agrade. E se você for novato em edição, lembre-se do mantra: “Primeiro, não cause danos” (cap. 3).

A segunda virtude é a transparência. Não faça nada de relevante no manuscrito sem avisar o autor. Não o exclua do processo editorial. Logo nas primeiras comunicações com ele, apresente um plano de trabalho, tire suas dúvidas iniciais sobre a obra, confira se ele está de acordo. Com isso, o editor deve ganhar a confiança do autor, o que facilitará o prosseguimento do processo editorial.

Há casos em que a comunicação não é feita direto com o autor, mas com algum intermediário, o editor, comum com os revisores freelancers. A virtude da transparência também deve ser seguida aqui. Comunique-se com o editor, tire dúvidas e o mantenha ciente das decisões tomadas durante a revisão.

A transparência acontece antes, durante e depois; e, em todos os três estágios, ela convida a participação do escritor. Na verdade, o objetivo da transparência é envolver o escritor em uma colaboração em vez de apresentar a cópia editada como um fato consumado (cap. 3).

Flexibilidade é a terceira virtude, e, segundo a autora, a mais difícil. Editores e revisores são seres providos de certezas sobre o que é certo e errado a respeito das regras de padronização e estilo. Garantir a unidade de estilo e as regras da casa pode ser uma questão de honra. Todavia, quem já consultou muitos manuais de padronização, redação e estilo notou que muitas dessas regras editoriais são arbitrárias e mutáveis. O atual manual de Chicago está na 17ª edição, e, enquanto escrevo este texto, a 18ª já está disponível para pré-venda no site da editora. Dezoito edições dizem bastante sobre o quão mutável pode ser um manual de padronização, redação e estilo. O da Folha está na 22ª edição. Se esses manuais lançam novas edições atualizadas, por que nós, editores e revisores, nos apegamos muitas vezes a algumas regras arbitrárias? O que Saller argumenta aqui é sobre a necessidade de respeitar as particularidades e as singularidades de algumas obras que exigem flexibilidade da parte de editores e revisores.

Esse foi um problema que eu tive ao trabalhar com periódicos acadêmicos e/ou científicos. Como editor dessas publicações, eu pensava na unidade de estilo de toda a edição. Por sua vez, o autor está pensando só no artigo que ele quer publicar. Isso pode levar a choques entre o editor e os autores. Quando isso acontecer, pare, respire, conte de zero a cem, de trás para frente, em sânscrito, e reflita: Algumas das preferências de padrão e estilo do autor realmente prejudicam tanto assim a unidade de estilo da edição? Essas preferências não poderiam ser negociadas visando o bom processo editorial da edição e, sobretudo, o leitor?

A questão é que o seu guia de estilo — ou qualquer “regra” de estilo que você tenha aprendido — foi criado para que você fizesse algo da mesma maneira todas as vezes, por uma questão de consistência, para o bem do leitor. Dessa forma, a distração é menor. Você aprende regras de estilo para não ter que parar e refletir toda vez que chegar a um número no texto: “Hmm. Aqui está um número. Devo escrevê-lo por extenso?”. Você sabe de cor o estilo que escolheu e, assim, passa voando com confiança. As regras de estilo não são usadas porque são “corretas”. Elas são usadas para sua conveniência e para atender o leitor.

Embora certamente existam algumas convenções de estilo que são tão rígidas quanto as regras gramaticais e de sintaxe mais aceitas, de modo geral, o estilo é muito mais negociável do que você imagina. Se um escritor tiver uma preferência que você possa tolerar, considere fazer isso. Se houver um motivo pelo qual esse estilo é inadequado para o documento, apresente seus argumentos e talvez o autor veja a razão (cap. 3).

Resumindo: se um estilo estranho tiver lógica e clareza, e se a sua instituição lhe der alguma flexibilidade no assunto, deixe as coisas como estão (cap. 7).

Na segunda parte, “Trabalhar com seus colegas e consigo mesmo”, Saller passa da relação editor-autor para as relações editor-consigo mesmo, editor-colegas de trabalho [work and e-mail etiquette], editor-processador de texto e editor-prazos explodindo.

É comum, como editores e/ou revisores, recebermos originais em péssimo estado, que apresentam mais serviço do que “só” formatar, normalizar e revisar o texto. Isso pode ocorrer porque o autor não é obrigado a ser um faixa preta em Word. Ele já teve o trabalho de escrever o texto, o que não deve ter sido fácil. É justamente por isso que você precisa dominar o processador de texto, ou ser devorado pelo original. Busque por manuais, tutoriais no YouTube e pergunte aos colegas mais experientes como simplificar e automatizar processos mecânicos. Domine o Word e o coloque ao seu serviço. Ele é uma ferramenta que, quando bem usada, pode te economizar tempo e nervos, e você conseguirá dar a devida atenção às partes não mecânicas do serviço, sobretudo a leitura cuidadosa do texto.

O editor ou revisor, mesmo quando freelancer, não é uma ilha. Portanto, mantenha boas relações com colegas de trabalho e com as editoras para as quais você presta serviços, forme uma comunidade de apoio na qual você ajudará aqueles em apuros e também será resgatado quando for preciso, como na luta por seus direitos, por exemplo.

Há também conselhos sobre como lidar e admitir erros e, tão importante quanto, registrar os sucessos e acertos, bem como por onde começar e manter uma carreira no ramo editorial.

O título do livro é enganoso, uma vez que não há nada de subversivo no texto, o qual trata do respeito pelos autores e da ética editorial. A subversão talvez esteja em abrir o jogo sobre as dificuldades, os desentendimentos e os estresses do trabalho, sempre de modo franco, sem medir as palavras, mas também sem expor nomes, claro.

Quanto à leitura, o texto é leve, fluido e acessível, ao estilo de um post de blog. Muitas passagens são bem humoradas, irônicas. Mesmo quem tem pouca experiência no ramo editorial se identificará com muitos dos causos relatados.

A segunda edição tem como novidades dois capítulos novos (o 5 e o 12, sobre se manter atualizado a respeito das mudanças na gramática e nas tecnologias de edição de textos) e a expansão de um, o 6, voltado para autores, com conselhos sobre a formatação de originais, autoedição e como not to be “difficult”.

The Subversive Copy Editor é um guia para editores, revisores e autores. Nele se pode aprender com a experiência de trabalho de uma das principais editoras dos últimos anos, e sobre como se prevenir de problemas desnecessários no processo editorial e ter sucesso na maioria dos casos.

Embora aposentada dos trabalhos na The Chicago University Press, Saller continua publicando livros e editando a newsletter Writer, Editor, Helper. Você também pode a conhecer melhor em vídeos do YouTube e em podcasts.

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