Queísmo — padronização e estilo

Além de dificultar a leitura e de a tornar monótona, as repetições de palavras em uma mesma frase ou parágrafo indicam pobreza vocabular, podendo levar o leitor a desistir de prosseguir com o texto.

Esse é o caso da partícula que. Frequente e versátil na língua portuguesa, o quê exerce muitas funções nas frases. Não há mal nenhum em fazer o uso dele. Porém, em excesso, pode prejudicar o ritmo do texto e às vezes gerar ambiguidades.

Os manuais de redação e estilo costumam ter verbetes acerca do excesso do quê, ou queísmo, com sugestões sobre como evitá-lo.

O manual do Estadão tem um exemplo interessante:

Bakker é o líder da organização PTL, que tem 500 mil seguidores que, religiosamente, contribuem com quinze dólares todos os meses, o que dá uma renda mensal de 7,5 milhões de dólares; ele deve admitir nos últimos dias que realmente teve um envolvimento sexual em 1980 com uma secretária de sua igreja e que foi extorquido em 11 mil dólares para que o escândalo não fosse revelado.

Em geral, é possível melhorar o texto mudando a formulação das frases e/ou dividindo os períodos.

Bakker é o líder da organização PTL, que tem 500 mil seguidores, os quais contribuem com quinze dólares todos os meses, garantindo uma renda mensal de 7,5 milhões de dólares à rede de TV a cabo. Nos próximos dias, ele deverá admitir ter se envolvido sexualmente, em 1980, com uma secretária de sua igreja e que foi extorquido em 11 mil dólares para evitar a revelação do escândalo.

Essa foi a minha versão reescrita da frase. Consegui passar de seis quês para dois. Outras soluções seriam possíveis, variando conforme o(a) revisor(a).

Além de mudar a formulação das frases e/ou dividir os períodos, outro recurso é trocar o quê pelo verbo no infinitivo ou formas oracionais por nominais. O manual da Folha apresenta alguns exemplos:

☛ Declarou que prefere

☞ Declarou preferir

☛ O atleta que detém o recorde da prova

☞ O atleta recordista

Gostaria de tentar? Seguem algumas frases para exercício:

Não existe um só acontecimento histórico que se possa supor que seja conhecido de todos.

A refém disse que foi puxada do carro e que conseguiu arrancar a filha.

O proprietário da casa alegou que não violou a lei e que só quis construir um jardim.

A represália que todos temem que o país possa sofrer por parte dos credores.

Outra dica é substituir o quê (pronome relativo) por o qual, a qual, os quais, as quais, evitando ambiguidades no texto.

A respeito das ambiguidades, gosto muito de um exemplo de Marcos Bagno em Falsas elegâncias:

O principal adversário do prefeito, que esteve hoje em nosso estúdio, não aceitou nosso convite para um debate.

Você consegue dizer quem esteve no estúdio e quem não aceitou o convite para um debate? O prefeito ou o principal adversário dele?

Para solucionar a ambiguidade, usa-se o qual, retomando o elemento mais próximo.

O principal adversário do prefeito, o qual esteve hoje em nosso estúdio, não aceitou nosso convite para um debate.

Pronto, agora não há dúvida que quem esteve no estúdio foi o prefeito, e não o seu principal adversário, o qual recusou o convite para o debate.

O que foi escrito aqui se trata de orientações gerais e não significa que você deve se preocupar de modo obsessivo em não repetir palavras na mesma frase ou próximas umas das outras. Há casos e casos. A repetição pode ser um recurso de ênfase e/ou estilo, usado pelos melhores escritores e oradores da língua portuguesa. O problema é que alguns autores não usam as repetições de modo consciente, mas por vício de escrita.

Por esse motivo, todo texto, independentemente de quão experiente for o autor, precisa de uma segunda leitura, imparcial e objetiva, sobretudo de um profissional do ramo. As opções de revisores(as) e de orçamentos são muitas. Busque por um(a) revisor(a) de sua confiança e adequado(a) para o gênero de texto que você tem em mãos, ficção, não ficção ou acadêmico.

Referências

ABREU, Antônio. O design da escrita: redigindo com criatividade e beleza, inclusive ficção. Cotia, SP: Ateliê, 2012. pt. 1, cap. 10.

BAGNO, Marcos. Falsas elegâncias: como evitar a hipercorreção na escrita formal. São Paulo: Parábola, 2021. cap. 11.

FOLHA DE S.PAULO. Manual da Redação: as normas de escrita e conduta do principal jornal do país. 22. ed. Barueri, SP: Publifolha, 2021. Que, pp. 156-7; Repetição de palavras, pp. 157-8.

GARCIA, Othon. Comunicação em prosa moderna: aprenda a escrever, aprendendo a pensar. 27. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010. cap. 4.3.3.1.

O ESTADO DE S. PAULO. Manual de redação e estilo. Org. e ed. de Eduardo Martins. São Paulo, 1990. Repetições, pp. 66-7.

SQUARISI, Dad; SALVADOR, Arlete. Escrever melhor: guia para passar os textos a limpo. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2013. Queísmo.

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