
São Paulo: Ponta de Lança, 2024. 104 pp.
ISBN 978-65-983496-0-8
De modo similar a uma corte do Antigo Regime, o hábitat universitário tem seus códigos e rituais. Desconhecê-los, além das possíveis gafes, pode prejudicar o caminho de um jovem pesquisador e tirar o potencial que uma pesquisa científica oferece à carreira profissional e à vida.
Da arte de (se) orientar, primeiro livro da Ponta de Lança, elegante e sofisticada livraria localizada no boêmio bairro da Santa Cecília, São Paulo, é um manual de etiqueta acadêmica escrito por Jean Pierre Chauvin, professor da ECA e da FFLCH, ambas da USP, e colunista no Jornal da USP.
Com erudição e humor, Chauvin guia e aconselha o leitor sobre como se portar em todas as fases de uma pesquisa universitária — seja iniciação científica, mestrado ou doutorado —, desde os primeiros contatos na busca por um orientador à defesa perante uma banca de doutores.
Para se triunfar na corte, digo, na universidade, o candidato à pós-graduação tem que, às vezes, atuar, como em uma peça de teatro, saber onde está pisando, com quem está tratando e reconhecer o palco no qual se vai encenar. Deve-se respeitar os ritos acadêmicos, ou fingir os respeitar, entrando no jogo do que o autor chama de teatrocracia e projetar o éthos humilde, uma vez que a academia é um ambiente de hierarquias, desrespeitá-las pode ferir egos, desaconselhável para quem está na base da pirâmide dessa instituição.
“Saber ser humilde, disciplina e ética caminham juntos. Por isso mesmo, o orientando não deve perdê-las de vista. Quando não as trouxer bem amadurecidas, resta ao candidato afetá-las, ou seja, simular possuí-las. Para isso, ele precisará desempenhar com eficiência o seu papel de candidato à orientação” (p. 36).
Os orientadores — muitas vezes com justiça — costumam ser criticados por não cumprirem com as expectativas dos orientandos, mas esse pode ser um tema para outro livro. Aqui, o foco é o estudante, suas responsabilidades e o que ele deve de fato esperar do contrato social entre orientador-orientando.
Quais são as responsabilidades dos orientadores? Qual o papel deles na pesquisa que deve ser desenvolvida pelo orientando? Em síntese, diz o autor,
a lição básica é que não cabe ao orientador correr atrás de seus alunos. Não é atribuição do professor relembrar os prazos regulamentados pelo programa de pós-graduação. Não compete a ele revisar resumos, trabalhos em eventos, relatórios de pesquisa, resenhas ou artigos científicos. A tarefa do orientador é estimular que seus alunos produzam trabalhos de qualidade que façam sentido. Eventualmente, em havendo interesse de sua parte, o docente poderá ler e comentar parte do que seus alunos escreveram ou apresentaram em eventos, desde que se relacionem diretamente ao objeto e tema da pesquisa sob sua orientação (pp. 31-2).
Embora inspirado nos manuais de etiqueta para as cortes dos séculos XVII e XVIII, o livro não ignora as inovações tecnológicas contemporâneas e dedica um capítulo acerca de como usar, de “maneira eficaz e respeitosa”, os meios de comunicação digitais, os quais exigem as mesmas regras de etiqueta dos meios de comunicação “analógicos”. Mudou-se a ferramenta, mantiveram-se as regras de boas maneiras.
Se às vezes a universidade se parece com uma corte, em outras ela se parece com uma corporação capitalista.
Como sabemos, a partir dos anos de 1980, o modelo gerencial, de cariz tecnocrático e sanha inovadora, invadiu a universidade, transformando gradativamente o espaço da pluralidade e dos saberes em uma grande arena concorrencial, forjada pela mesmice empreendedora, onde se naturaliza a luta de todos contra todos. Quanto menor o investimento em pesquisa e formação de pessoal, mais se amesquinha a disputa por verbas, títulos e cargos comissionados, que começa nas unidades, invade os departamentos e contamina a relação profissional entre professores, pesquisadores e alunos (pp. 69-70).
Aqui entra o utilitarismo e o pragmatismo nas relações acadêmicas, a mercantilização do conhecimento e das pessoas, as quais podem ser consumidas e descartadas como uma lata de Coca-Cola. Claro que isso não é uma regra, havendo amizades e colaborações honestas e fiéis entre colegas de pesquisa que sobrevivem por muitos anos. Todavia, a força da ideologia e da alienação capitalistas fazem com que elas sejam raras. Em geral, as colaborações e as amizades acadêmicas, quando existem, são breves, e desmancham no ar.
“Há um preceito que aproxima Karl Marx e Friedrich Engels de Dale Carnegie, autor de Como fazer amigos e influenciar pessoas: o de que, no mundo das mercadorias, tudo e todos somos mercantilizáveis. Se há uma lição que o mundo acadêmico ensina é que tanto o interesse dos orientandos na pesquisa (que leva o seu nome e o nosso), quanto o vínculo que mantêm conosco, estão situados difusamente entre a espontaneidade e o utilitarismo” (p. 89).
Para concluir, gostaria de destacar o projeto gráfico, tanto pela escolha tipográfica quanto pelos ornamentos ao longo do livro, sobretudo nas primeiras páginas; a ficha catalográfica, localizada no fim, lembra o padrão da Cosac Naify, o que indica o gosto e a inspiração do editor. Isso mostra cuidado e conhecimento editorial dos editores, o que melhora a experiência da leitura, algo que nem todas as editoras consideram quando publicam um novo livro.