
4. ed. rev., atual. e ampl.
Oakland, CA: University of California Press, 2019. 568 pp.
ISBN 978-0-520-28672-6
A preparação de originais [copyediting ou manuscript editing] é uma das etapas do processo editorial de livros e artigos, responsável por garantir a qualidade e a clareza do texto. O profissional especializado nessa etapa é o preparador de originais [copyeditor].
Todo preparador de originais deve construir e preservar uma biblioteca pessoal de obras de referência, formada por livros de gramática, dicionários e manuais editoriais. Uma das obras de referência mais importantes é o The Copyeditor’s Handbook, de Amy Einsohn, atualmente na quarta edição, a qual incorpora as últimas atualizações para os serviços de preparação de originais no século XXI.
Em sua primeira edição, em 2000, foi uma obra inovadora por incorporar processos de edição digitais, quando a maioria dos manuais ainda tratavam só dos métodos “analógicos”, impressos. A quarta edição foi atualizada por Marilyn Schwartz a partir de notas deixadas por Einsohn antes de falecer, e a quem a edição é dedicada.
O livro tem por base os workshops que Einsohn lecionou, desde os anos 1980, para preparadores de originais e revisores de prova em formação, sobretudo em Berkeley, Califórnia.
Embora seja um guia publicado nos Estados Unidos, voltado para as padronizações editoriais do inglês daquele país, ele também pode servir para preparadores brasileiros, sobretudo em trabalhos de textos traduzidos do inglês ou que tenham passagens nesse idioma.
Conheci o manual em sua segunda edição, por volta de 2020, 2021, quando era editor da Revista Angelus Novus e buscava desenvolver minha formação autodidata em editoração.
O livro está organizado em três partes. A parte 1, acerca do ofício da preparação de originais, se divide em três capítulos. O capítulo 1 esboça as responsabilidades e as principais tarefas do preparador. O 2 apresenta a prática da preparação, tanto em originais impressos quanto nos digitais. E o 3 é sobre obras de referência e fontes on-line para o serviço de preparação. A parte 2 trata das regras de estilo editorial, baseado no manual de Chicago e no Words into Type, obras de referência nos Estados Unidos e em outros países anglófonos. A parte 3 é sobre edição de texto e gramática, em inglês. Para os propósitos desta resenha, minha atenção será para a parte 1, sobretudo os capítulos 1 e 2, uma vez que o capítulo 3 da parte 1 e as partes 2 e 3 tratam de questões e especificidades para preparadores de textos em inglês, e meu foco aqui é o português.
As tarefas do preparador de originais e os quatro Cs
O preparador de originais serve a três categorias: o autor do manuscrito; o editor, que paga pelos custos de produzir e distribuir o material; e os leitores. Todos eles esperam uma publicação livre de erros. Para tanto, as tarefas do preparador são indicar e/ou corrigir:
☞ erros de digitação;
☞ erros/deslizes de pontuação, gramática;
☞ uso adequado da sintaxe;
☞ inconsistências de conteúdo no texto e em tabelas, quadros, gráficos e ilustrações.
Essas tarefas visam os seguintes objetivos, os quais podem ser resumidos em quatro Cs:
☞ clareza [clarity];
☞ coerência [coherency];
☞ consistência [consistency];
☞ precisão [correctness].
Todos eles a serviço do C essencial [cardinal C]:
☞ comunicação [communication].
Em alguns projetos, o preparador pode ir além de ser um corretor e padronizador, quando o autor não está escrevendo em sua língua nativa — ou quando o manuscrito é uma tradução e precisa ser limpo das especificidades do idioma original —, quando o texto é de uma área técnica e precisa ser adaptado para um público amplo — como em obras de divulgação científica escritas por especialistas —, ou quando o manuscrito original está em um estado precário e precisa de um serviço de redação mais detalhado, coesão e concisão textual, ajustes para as frases coordenadas e subordinadas, e por aí vai.
Independentemente para quem o preparador esteja trabalhando, ele serve ao cliente, e precisa deixar suas preferências ou gostos de lado. Seu mantra deve ser: “Este não é o meu original”.
“Independentemente da cultura e da política de um determinado ambiente de trabalho, o preparador sempre atende às vontades e às preferências dos clientes, não à sua própria vaidade, e deve, portanto, exercer um certo grau de autoanulação. O mantra dos preparadores profissionais em todos os lugares é o seguinte: ‘O manuscrito não é meu’” (p. 3).
As boas editoras e publicações têm seus próprios manuais de editoração, estilo e redação, e apresentam instruções preliminares aos preparadores. Todavia, essas instruções são genéricas, cabendo ao preparador identificar e resolver as especificidades de cada original, isto é, o preparador, por meio da prática e da experiência, deve desenvolver o seu juízo editorial [editorial judgment], espécie de intuição/instinto acerca de quando e como intervir no texto, o que deve se perguntar ou deixar para a solução do autor e/ou editor.
Nas últimas décadas, o uso de ferramentas digitais se tornaram dominantes nos serviços de preparação de originais, do modo que, preparadores mais jovens, como no meu caso, já foram introduzidos no serviço por meio dos softwares de editoração eletrônica [on-screen editing ou electronic manuscript editing (EMS)]. Contudo, a mudança de ferramenta não implica mudança nos princípios e nas tarefas fundamentais da profissão: o preparador precisa continuar lendo letra por letra, palavra por palavra, número por número, sempre com muita atenção; precisa estudar ortografia, gramática e pontuação; ler livros e artigos, das boas editoras e dos bons periódicos, aprendendo com o serviços dos colegas de profissão;
Os processadores de texto disponíveis são muitos, Writer (Apache OpenOffice ou LibreOffice), InCopy (Adobe) e Google Docs, mas o que continua predominando é o Word (Microsoft Office), e o preparador precisa conhecer ao máximo possível seus recursos.
“Considerando a variedade de requisitos possíveis para o trabalho no monitor e a evolução contínua da tecnologia, os editores devem cultivar a proficiência em vários aplicativos importantes, acompanhar sistematicamente os novos desenvolvimentos tecnológicos que afetam seu trabalho e atualizar regularmente seu hardware, software e habilidades técnicas” (p. 4).
Quanto às exigências de perfeição de alguns clientes, de todos aos guias e manuais que puder ler, e dos cursos que fiz, nenhum prega a possibilidade de entregar uma revisão de original sem erros ou deslizes. É justo por esse motivo que o processo editorial é um trabalho coletivo. Segundo o artigo “Error Rates in Editing”, de Adrienne Montgomerie, publicado em 7 de agosto de 2013 no Copyediting, o melhor que um ser humano, em média, é capaz de atingir é 95% de acerto. Quando se trata de revisão de texto, essa média máxima nem sempre é atingível. Deve-se considerar o estado do manuscrito, uma vez que um texto com muitos erros deixa o serviço de revisão mais difícil. Há que se considerar também o elemento subjetivo e interpretativo do texto. Nem sempre o revisor entende exatamente o que o autor pretendia dizer, e muitos dos erros da revisão podem ocorrer por problemas de interpretação.
Por isso, as autoras aconselham os preparadores a não se culparem pelos pequenos erros, mas a aprender com eles; e a respeitar os quatro mandamentos da preparação de originais:
- Não perderá ou danificará o manuscrito ou versões confusas dos arquivos.
- Não se deve introduzir um erro em um texto que esteja correto. Como em outras áreas da vida, na preparação, um ato de intenção é mais grave do que um ato de omissão.
- Não se deve alterar a intenção do autor. Na hierarquia dos erros editoriais, substituir a redação do autor por uma linguagem que agrade o revisor é uma transgressão, mas alterar a intenção do autor é uma ofensa mortal.
- Não se deve descumprir um prazo limite (p. 5).
As seis principais tarefas do preparador de originais, ou o que os preparadores devem fazer
1. Edição mecânica
Trata-se de ajustar/adaptar o original para as regras de estilo da editora ou da publicação, uniformizando o texto conforme essas convenções. Em geral, esse estilo inclui padrões e preferências na ortografia (catorze ou quatorze), hifenização (online ou on-line), uso de letras maiúsculas e/ou minúsculas (Filosofia ou filosofia), pontuação (usa-se, ou não, a vírgula antes do etc.), padronização dos numerais (onze ou 11), regras para citações, reduções e abreviações (UNESCO ou Unesco), uso de itálico e bold, hierarquias e formatação dos intertítulos, padrões e formatação de tabelas, quadros, gráficos, ilustrações, notas de rodapé ou de fim.
A princípio, seria a tarefa mais “mecânica” do serviço, e mais “fácil”, mas ela exige olhos de águia e conhecimento das convenções de cada manual de editoração. Logo, ela não dispensa experiência, que só pode ser adquirida com o tempo.
Aqui não há o certo e o errado absolutos, pois são convenções arbitrárias de cada editora ou periódico. O erro está em não as conhecer e não manter a uniformidade de estilo em todo o documento.
2. Correlacionar as partes
O trabalho envolve verificar as referências cruzadas; a numeração das notas de rodapé ou de fim; das tabelas e das ilustrações; os títulos, os intertítulos e a paginação do sumário com os do texto; as citações com as referências.
3. Edição de texto: gramática e sintaxe
Enfim o preparador inicia a leitura e correção do texto (ortografia, gramática e sintaxe), respeitando as preferências e o estilo do autor, bem como as orientações da editora ou do periódico. Embora a gramática seja considerada por alguns como uma espécie de legislação, quem a estuda sabe que certas regras dela não são tão absolutas, e há casos em que infrações intencionais podem ser bem-vindas para a eufonia e fluidez do texto. Para textos literários, as regras da gramática podem, e devem, ser flexíveis. Para textos científicos, uma gramática conservadora é a mais adequada. O preparador deve exercer o bom senso para cada gênero de texto.
4. Edição de conteúdo
O preparador é um dos primeiros responsáveis pela leitura mais atenta e detalhista do original — em muitos casos, um dos poucos que lerão o texto com zelo e rigor. Ele será aquele que primeiro identificará inconsistências na organização e no conteúdo do texto, sobretudo se o texto não passou por uma revisão técnica de pares, como ocorre em publicações científicas e/ou acadêmicas e pela verificação de fatos dos jornais e revistas. Por isso, é tarefa do preparador identificar as possíveis inconsistências e/ou erros de um texto.
Para tanto, o preparador de texto deve ter um conhecimento geral. Se ele está revisando um texto sobre a Turquia, é importante que ele saiba que a capital do país é Ancara, e não Istambul; ou que Jean-Jacques Rousseau era suíço, de Genebra, e não francês — erros muito comuns —, além da grafia correta de nomes (Schwarz, Schwartz ou Schwarcz?).
Os editores também esperam que os preparadores indiquem possíveis termos ou ilustrações sexistas, racistas, obscenos — preconceitos, em geral —, bem como possíveis plágios, protegendo a editora ou o periódico de processos judiciais.
5. Permissões
Trata-se de permissões de direitos autorais, para ilustrações, tabelas, quadros, gráficos, mapas e passagens extensas de textos. Para isso, o preparador pode indicar, por meio de comentários nas margens do arquivo, a necessidade de conferir a permissão para o uso desses materiais, protegidos pela legislação de direitos autorais.
6. Marcações
Também chamadas de tags, estilos e codificação de tipos, as marcações permitem identificar, no original, as características de cada parte do texto, como os intertítulos, as citações, listas e enumerações, títulos e fontes de tabelas, quadros e gráficos, uso de caracteres menos usuais, como símbolos matemáticos e letras de alfabetos não latinos, uma vez que nem todas as famílias tipográficas incluem os caracteres dos alfabetos grego e cirílico, o que interfere no projeto gráfico da publicação.
O que os preparadores de originais não devem fazer
A regra é não introduzir erros e alterar substancialmente as frases e o estilo do autor.
Porém, há outros serviços que não são de responsabilidade do profissional contratado para a preparação:
☞ verificação de fatos;
☞ edição de arte;
☞ produção editorial;
☞ design;
☞ preparação dos arquivos para impressão ou produção em PDF e e-book;
☞ revisão de provas;
☞ indexação;
☞ distribuição e marketing do produto final;
☞ ghostwriting.
Quem trabalha no mercado editorial como freelancer pode realizar todos esses serviços, mas eles não estão inclusos no contrato de preparação de originais e devem ser cobrados como serviços individuais. Por exemplo, preparadores podem fazer revisão de provas, mas preparação e revisão são etapas distintas do processo editorial, com especificidades próprias, sendo contratos e orçamentos diferentes.
Os níveis de intervenção no texto na preparação de originais
O uso de certos termos no ramo editorial varia conforme a editora e o periódico. Por exemplo, em inglês, não há consenso sobre todas as atribuições do preparador de originais [copyeditor]. Em alguns casos, a profissão é dividida em manuscript editing — compreendendo as responsabilidades já apresentadas aqui — e line editing, que compreende melhorias no estilo literário do texto, isto é, a rescrita de passagens inteiras do texto para garantir a fluidez textual, usada para autores sem grandes habilidades de escrita.
Quem determina o nível de intervenção no texto é quem contrata, o editor ou o autor, para o caso de publicações independentes.
Quanto maior a necessidade de intervenção, mais difícil é o trabalho do preparador, mais tempo ele precisará para entregar o arquivo revisado e, assim, mais ele deve cobrar.
Os níveis de intervenção no texto são divididos em três, e os termos são autoexplicativos: leve, médio e pesado. Para simplificar a exposição das tarefas de cada nível, confira a Tabela 1 do livro.
O passo a passo da preparação de originais
Uma vez com o material de trabalho em mãos, o preparador deve primeiro examinar se o documento está completo: se não há páginas faltando (para o caso de originais impressos; para os arquivos digitais, compare o sumário com os títulos e intertítulos do texto); se todas as tabelas, quadros, gráficos e ilustrações estão numeradas e intituladas; se não há saltos na ordem das notas de fim ou de rodapé, e se todas elas têm textos; se a lista de referência está completa e se há conteúdo suplementar, como apêndices, anexos, glossários etc.
Para os arquivos digitais, não trabalhe no original, mas em uma cópia. Verifique se o arquivo não está corrompido ou se ele é compatível com o seu processador de texto (em geral, trabalha-se em DOC ou DOCX, mas também existem as extensões ODT e RTF); verifique se todos os elementos não textuais (tabelas, quadros, gráficos e ilustrações) constam no arquivo, ou se estão em arquivos a parte; não inicie o trabalho caso identifique algum erro ou discrepância no original, antes, entre em contato com o editor ou o autor.
A seguir, no arquivo digital, faz-se uma “limpeza” no arquivo (sempre com o Controle de Alterações desligado), quando se eliminam espaços duplos, espaços antes e depois dos parágrafos, tabs no lugar de recuos/defesas de primeira linha e outros sinais e caracteres que poluem o texto. Para ganhar tempo nessa etapa, é excelente se familiarizar com a função de macros do processador de texto, que são automatizações de comandos ou de tarefas repetitivas. (Indico o tutorial “Como gravar macros simples para MS Word”, do Revisão Para Quê?)
Verifique se a configuração de idioma do arquivo está correta, por exemplo, português do Brasil ou de Portugal, ou inglês dos Estados Unidos ou da Grã-Bretanha, garantindo que o corretor ortográfico usará o dicionário correto.
Depois, passa-se para a formatação, por meio da ferramenta de marcação de estilos, quando se formata os títulos e intertítulos, as citações, e se inserem as quebras de página ou de seções nos capítulos.
Nessa fase “mecânica” do serviço é interessante examinar e corrigir erros mais óbvios de ortografia e padronizar a grafia de nomes no texto (György Lukács ou Georg Lukács, por exemplo).
Enfim, depois da verificação de compatibilidade e integralidade do arquivo, limpeza, formatação e marcação e escaneamento preliminar do texto, inicia-se a padronização da lista de referências e das citações e a leitura e a revisão do texto. Em arquivos impressos, abre-se a caixa de ferramentas de lápis e canetas. Para os arquivos digitais, basta ligar o Controle de Alterações. Entra aqui o conhecimento e a experiência do preparador acerca das normas (ABNT, APA, Chicago…) e de gramática, pontuação e sintaxe.
O ambiente de trabalho adequado também é importante. Segundo o Manual do revisor, de Luiz Roberto Malta,1Luiz Roberto Malta, Manual do revisor. São Paulo: WVC, 2000, cap. 4, p. 58. um clássico do ramo no Brasil, o local de trabalho do preparador deve ser o mais isolado e silencioso possível: “Trabalhar no meio de gente falando alto ou de telefones tocando a todo instante pressupõe serviço sujeito a erros, mais demorado e falho”. Um local de trabalho isolado também permite que o preparador possa ler algumas passagens do texto em voz alta, ou sussurrando. Esse recurso permite combinar as virtudes da visão com a da audição, e facilita a identificação de erros.
Como assistentes, o preparador deve ter uma biblioteca de obras de referência impressa e/ou digital, composta por dicionários, gramáticas, manuais de editoração, estilo e redação.
O ideal é ler o texto duas vezes. A primeira é minuciosa, pesada. A segunda, serve para revisitar as passagens mais difíceis do texto, erros que passaram despercebidos na primeira leitura e localizar possíveis erros de digitação do próprio revisor. A segunda revisão deve ser feita quando o preparador está com a vista e a mente descansadas.
Por fim, com o serviço concluído, envia-se o original revisado para o editor ou o autor.
Alguns clientes podem retornar o arquivo para o preparador fazer a limpeza final, quando são aprovadas ou rejeitadas as marcações no texto e se prepara o arquivo para a fase seguinte, a diagramação ou a impressão, se for um arquivo de tese ou dissertação. Isso costuma acontecer quando o cliente é o próprio autor, isto é, quando o serviço não é intermediado pelo editor. Aqui o revisor deve fazer as vezes de editor e negociar com o autor, defender seu trabalho e escolher suas “batalhas”.
Por exemplo, em um serviço, as autoras insistiram em escrever xeque, do xadrez, com ch, do documento bancário, como na expressão, “…isso colocou a teoria em xeque”. Uma alternativa seria indicar algum dicionário para a consulta das autoras. Outra seria rescrever a frase, sem a metáfora do xadrez: “… por meio dessa crítica, a teoria se viu sob ameaça”. Nas duas alternativas, o rei está sem saída, e é xeque(-mate), para mim.
Em outros serviços, pode-se sucumbir às preferências do autor: manter o excesso de adjetivos e advérbios no texto, locuções verbais desnecessárias, versões estrangeiras de palavras que já foram aportuguesadas etc. Afinal, quem assina o texto é o autor, não o preparador. O importante é ser sábio, como Sun Tzu, e escolher as batalhas nas quais você pode vencer.
“Procure ser mais leve. Não rescreva um original ou um documento, a menos que seja explicitamente solicitado a fazer uma revisão pesada. Se as frases do autor forem claras, corretas e adequadas (como são as frases destas autoras, com os poucos erros detectados por nosso revisor de texto), deixe-as como estão. Não rescreva a frase de um autor só porque ela não é a frase que você teria escrito. Um lembrete a esse respeito está afixado em muitos quadros de avisos em escritórios de editoras em todo o mundo: ‘É
durodifícil resistir àurgênciatentação demudarmelhorar o texto dos outros’” (p. 33).

Reprodução de Amy Einsohn e Marilyn Schwartz, The Copyeditor’s Handbook: A Guide for Book Publishing and Corporate Communications. 4. ed. rev. atual. e ampl. Oakland, CA: University of California Press, 2019, pt. 1, cap. 1, p. 33.
Segundo as autoras,
resistir a esse impulso facilitará sua vida como preparador de várias maneiras. Primeiro, você poderá dedicar mais atenção às suas responsabilidades principais: quando você resiste ao impulso de reformular frases com sua própria voz, é mais provável que detecte erros mecânicos, inconsistências internas e erros gramaticais. Segundo, seu relacionamento com os autores será mais tranquilo porque eles o perceberão como um parceiro, não como um usurpador de seus poderes autorais. Terceiro, tanto a revisão quanto a limpeza levarão menos tempo e serão menos frustrantes. Por fim, você evitará um problema que costuma incomodar os preparadores iniciantes: “Como faço para manter o estilo do autor?”. Essa questão não surgirá se você se concentrar na revisão — não na rescrita — e se explicar os problemas aos autores e pedir que eles os resolvam ou escolham entre as alternativas que você está propondo (p. 33).
Estabelecer prioridades e estimativas (realistas)
Os serviços editoriais funcionam na base de orçamentos e prazos, havendo uma relação entre ambos: quanto menor for o prazo, mais o preparador pode cobrar. Para os serviços com prazos curtos, o preparador deve negociar as prioridades com o cliente (editor ou autor). Eles não podem esperar que você os entregue um Rolex se o preço e o prazo são de um Casio. Logo, tenha claro o que eles esperam que seja entregue (uma revisão leve, média ou pesada) e não prometa um serviço incompatível com o prazo combinado. Não faça “revisãozinha rapidinha”, mas faça sempre uma revisão bem-feita, seja ela leve, média ou pesada. A “revisãozinha rapidinha” malfeita poderá manchar o seu nome. Bem feito para você.
As autoras apresentam algumas orientações gerais de como fazer estimativas e combinar prazos:
Regra 1: Não faça uma estimativa ou confirme a estimativa de outra pessoa acerca do tempo de entrega de um projeto até que você tenha examinado o manuscrito.
Regra 2: Ajuste sua estimativa básica para permitir tempo extra para originais difíceis.
Regra 3: Se for o caso, reserve tempo para tarefas que não sejam de edição, como fotocopiar cópias impressas, conversão ou cópia de arquivos, execução de macros de limpeza de arquivos, comunicação por telefone ou e-mail com um coordenador editorial ou autor, e escrever relatórios, documentos burocráticos e emitir notas fiscais.
Regra 4: Exceto se você for muito experiente em fazer estimativas, sempre adicione um fator de distorção à sua melhor estimativa.
Regra 5: Seja realista quanto ao número de horas por dia que você pode editar e ainda assim fazer um bom trabalho.
Regra 6: Prefira superestimar a quantidade de tempo que você precisa.
Regra 7: Se você for um editor freelancer, estabeleça seus orçamentos básicos com antecedência.
Regra 8: No orçamento, inclua seus custos comerciais: equipamentos, contabilidade, marketing, formação/cursos, livros, assinaturas etc. (pp. 28-30).
Profissionalismo e ética
Todo ofício, do mais nobre ao mais infame, tem seus códigos de conduta, sua ética. A seguir, segue uma proposta de ética para preparadores e revisores feita pelas autoras:
☞ Domine os padrões essenciais — o conhecimento, as habilidades e as melhores práticas — da profissão.
☞ Em seu currículo, apresente seu treinamento e experiência (e reconheça suas limitações) honestamente aos empregadores, em materiais de marketing, amostras de trabalho e testes.
☞ Mantenha a proficiência por meio de formação contínua, em especial conforme as novas técnicas e tecnologias são introduzidas.
☞ Conheça as questões jurídicas fundamentais de publicação — direitos autorais e direitos morais dos criadores, permissões, difamação, obscenidade e proteção da privacidade — e informe o editor sobre qualquer conteúdo que exija análise jurídica.
☞ Conheça as questões sociais e éticas de publicação — como linguagem ou conteúdo discriminatório, culturalmente insensível e ofensivo — e informe o editor sobre qualquer problema identificado no original. O editor não atua como um censor, mas como um conselheiro, determinando o curso de ação apropriado.
☞ Aconselhe o editor por escrito, de forma clara, mas circunspecta, sobre erros factuais, distorções, omissões de informações essenciais e plágio. Não conserte esses defeitos, a menos que esteja explicitamente autorizado a fazê-lo.
☞ Respeite a confidencialidade do cliente. Independentemente de você assinar ou não um contrato formal de confidencialidade (nondisclosure agreement, NDA), proteja as informações proprietárias e outras informações confidenciais.
☞ Seja meticuloso em todas as práticas comerciais e financeiras: elaboração de orçamentos e cronogramas, contratos, comunicação com clientes, negociação de mudanças no escopo e nos termos de um projeto, terceirização de trabalho, faturamento e resolução de disputas.
☞ Quando um manuscrito tiver sido preparado para atender aos requisitos de um diploma acadêmico ou profissional, certifique-se de que o programa de certificação permita a edição profissional do trabalho. Determine o escopo das alterações permitidas antes de fazer revisões estilísticas ou substanciais. Em geral, as universidades fornecem diretrizes por escrito aos alunos; algumas exigem que os candidatos a diplomas obtenham autorização por escrito antes de contratar um revisor (pp. 36-7).
“As mudanças contínuas na produção editorial, assim como no próprio idioma, exigirão novos conhecimentos, requererão novas habilidades, criarão novas tarefas e processos e apresentarão novos desafios éticos aos editores. Para permanecer no mercado, os preparadores devem contar com suas comunidades de profissionais e com os recursos educacionais disponíveis” (p. 37).
Os códigos de preparação de originais e os comentários de margem
O serviço de preparação de originais utiliza um sistema de códigos, símbolos e procedimentos no processo de formatação, correção e comunicação com editores e autores. Esses códigos, símbolos e procedimentos têm origem nos trabalhos em originais impressos, mas foram adaptados para as novas tecnologias, como os processadores de texto em computadores. Apesar das adaptações do impresso para o digital, a essência do trabalho permanece a mesma. O capítulo 2 trata do passo a passo e da aplicação das técnicas de preparação de originais, tanto no modo digital quanto no “analógico”. É o capítulo mão na massa do livro, com exemplos detalhados e comentados de como aplicar as marcações de preparação no original.
Embora, pela minha experiência, há um predomínio do uso de arquivos digitais (DOC e PDF) no serviço editorial, o excesso de tempo de tela não é saudável, e pode ser bem estressante, para a vista e para os miolos, e ainda há clientes que preferem que algumas etapas sejam feitas em arquivos impressos. Logo, conhecer os métodos manuais não fará mal algum, e são tão importantes quanto dominar os recursos dos processadores de texto digitais.

Alguns códigos de revisão de texto sistematizados pela ABNT NBR 6025:2002 (p. 3).
Resumir o capítulo 2 aqui resultaria em um simulacro (bem gambiarra) do texto original. Por isso, gostaria de dedicar atenção às passagens acerca dos comentários de margem [querying] aos editores e aos autores.
Como e quando deixar comentários e perguntas é uma habilidade que o preparador precisa desenvolver. Muitos comentários de margem, além de poluir o arquivo, podem confundir e cansar o autor. Poucos comentários podem deixar o autor com dúvidas a respeito das marcações de correções ou sugestões, além de deixar passar problemas importantes do texto. Logo, comentar ou não comentar, eis a questão.
Quando comentar?
Os preparadores deixam comentários nas margens do arquivo para chamar a atenção do autor para um problema, para pedir esclarecimentos ou para explicar uma revisão proposta cuja lógica pode não ser óbvia. Por exemplo, os preparadores fazem consultas quando
☞ o sentido do texto do autor não está claro ou parece ambíguo;
☞ o revisor quer que o autor escolha entre possíveis reformulações;
☞ o revisor quer explicar uma revisão complicada;
☞ o revisor quer pedir ao autor que forneça ou verifique uma informação;
☞ parece haver uma contradição interna no texto;
☞ o argumento do autor parece ter um erro lógico;
☞ o revisor conhece o tópico e tem um bom motivo para questionar (mas com tato) a precisão factual de uma declaração.
Nem toda alteração em um manuscrito exige uma consulta. Os preparadores não consultam alterações mecânicas de rotina que não estejam sujeitas ao veto ou à revisão do autor. Portanto, não é necessário explicar o motivo de cada trecho de pontuação adicionado ou excluído ou de cada palavra em letra minúscula que o autor colocou em maiúscula. Algumas alterações de rotina, no entanto, podem exigir uma explicação na primeira ocorrência para garantir ao autor que as alterações não são arbitrárias [, por exemplo]: “Autor, o manual da editora especifica o uso da vírgula aqui” (p. 51).
Correções de ortografia e gramática não precisam de comentários explicativos, exceto se for em razão de regras esotéricas. Com prática e experiência, o uso, ou não, do recurso dos comentários de margem se tornam uma segunda natureza do preparador.
O tom dos comentários também deve ser levado em consideração. Seja claro, conciso e formal. Não dê brechas para informalidades que possam ofender os autores, e não descarregue seu mal-humor nos comentários. Siga o conselho de el presidente Maduro e “tome um chá de camomila”.
Também não perca de vista o objetivo final de todo texto: o leitor. É para ele que o autor escreve. É para ele que o editor edita a publicação. E é para ele que você revisa o texto. Todos os comentários e questões de margem são para melhorar, ao máximo possível, o texto e o deixar mais acessível ao leitor.
“O objetivo principal de uma publicação é informar, persuadir, entreter e encantar os leitores, e todas as decisões editoriais devem ter em mente os interesses deles” (p. 55).
Por fim, como últimas palavras sobre os comentários aos editores e autores, não se faz comentários ou questões no miolo do texto, seja com recursos como bold, destaques estilo marca texto, fonte em vermelho etc. Quando se faz isso, corre-se o risco do comentário no miolo do texto não ser limpo e ir para a publicação. Todo comentário ou questão deve estar nas margens do arquivo, sempre.

Exemplo do por que não se deve deixar comentários editoriais no miolo dos textos.
Linguagem livre de preconceitos e questões jurídicas
No capítulo 15 consta seções sobre estilo, como linguagem clara, acessível e livre de preconceitos. Embora as soluções indicadas sejam, evidentemente, para o inglês e para as sociedades anglo-saxônicas, entendo que os princípios ali apresentados sejam universais.
Sobre a questão de linguagem livre de preconceitos, indico, no Brasil, o manual de redação da Folha de S.Paulo, atualmente na 22ª edição. Nele há verbetes acerca da conduta e da prática na atuação jornalística, além do anexo temático sobre religiões, que podem servir de orientação para preparadores e autores.
Por fim, no capítulo 15, destaco a seção sobre questões jurídicas [publishing law]. O preparador não é um assessor jurídico, e as editoras e os periódicos têm sua própria assessoria para esse ramo. Porém, quando presta serviços para autores independentes, o preparador pode ser o único a ler o texto na íntegra, com atenção e detalhe. Por isso, ele pode assinalar, ao autor, possíveis problemas legais no arquivo referentes à difamação, privacidade, obscenidade e aos direitos autorais. Logo, o preparador pode buscar formação nessas áreas.
Palavras finais
Reler o The Copyeditor’s Handbook para esta resenha me ajudou a relembrar e reforçar processos e técnicas de trabalho que passei a fazer de modo intuitivo, mecânico.
Mesmo sendo voltado para preparadores de originais, o manual pode ser do interesse de autores por explicar no que consiste o serviço conhecido de modo genérico como “revisão de texto”, permitindo que preparadores e autores possam colaborar melhor uns com os outros e evitar desentendimentos, e os autores saberão o que estão contratando e o que lhes será entregue.